(texto  de Martha Medeiros - O Globo - 10/junho/2007)
                  
Se você é deste  século, já sabe que há duas tribos que definem o que é um relacionamento  moderno.
Uma é a tribo dos  ficantes. O ficante é o cara que te namora por duas horas numa festa, se não  tiver se inscrito no campeonato “Quem pega mais numa única noite”, quando então  ele será seu ficante por bem menos tempo — dois minutos — e irá à procura de  outra para bater o próprio recorde. É natural que garotos e garotas queiram  conhecer pessoas, ter uma história, um romance, uma ficada, duas ficadas, três  ficadas, quatro ficadas... Esquece, não acho natural coisa nenhuma. Considero um  desperdício de energia.
Pegar sete caras.  Pegar nove “mina”. A gente está falando de quê, de catadores de lixo? Pegar,  pega-se uma caneta, um táxi, uma gripe. Não pessoas. Pegue-e-leve,  pegue-e-largue, pegueeuse, pegue-e-chute, pegue-e-conte-para-os-amigos.
Pegar, cá pra nós, é  um verbo meio cafajeste. Em vez de pegar, poderíamos adotar algum outro verbo  menos frio. Porque, quando duas bocas se unem, nada é assim tão frio, na maioria  das vezes esse “não estou nem aí” é jogo de cena. Vão todos para a balada  fingindo que deixaram o coração em casa, mas deixaram nada. Deixaram a  personalidade em casa, isso sim.
No entanto, quem pode  contra o avanço (???) dos costumes e contra a vulgarização do vocabulário?  Falando nisso, a segunda tribo a que me referia é a dos namoridos, a palavra  mais medonha que já inventaram. Trata-se de um homem híbrido,  transgênico.
Em tese, ele vale mais  do que um namorado e menos que um marido. Assim que a relação começa, juntam-se  os trapos e parte-se para um casamento informal, sem papel passado, sem  compromisso de estabilidade, sem planos de uma velhice compartilhada — namoridos  não foram escolhidos para serem parceiros de artrite, reumatismo e pressão alta,  era só o que faltava. Pois então. A idéia é boa e prática. Só que o índice de  príncipes e princesas virando sapo é alta, não se evita o tédio conjugal (comum  a qualquer tipo de acasalamento sob o mesmo teto) e pula-se uma etapa  quentíssima, a melhor que há.
Trata-se do namoro,  alguns já ouviram falar. É quando cada um mora na sua casa e tem rotinas  distintas e poucos horários para se encontrar, e esse pouco ganha a importância  de uma celebração.
Namoro é quando não se  tem certeza absoluta de nada, a cada dia um segredo é revelado, brotam  informações novas de onde menos se espera. De manhã, um silêncio inquietante. À  tarde, um mal-entendido. À noite, um torpedo reconciliador e uma declaração de  amor. Namoro é teste, é amostra, é ensaio, e por isso a dedicação é intensa, a  sedução é ininterrupta, os minutos são contados, os meses são comemorados, a  vontade de surpreender não cessa — e é a única relação que dá o devido espaço  para a saudade, que é fermento e afrodisíaco. Depois de passar os dias se vendo  só de vez em quando, viajar para um fim de semana juntos vira o céu na Terra:  nunca uma sexta-feira nasce tão aguardada, nunca uma segunda-feira é enfrentada  com tanta leveza.
Namoro é como o disco  “Sgt. Peppers”, dos Beatles: parece antigo e, no entanto, não há nada mais novo  e revolucionário. O poeta Carlos Drummond de Andrade também é de outro tempo e é  para sempre. É ele quem encerra esta crônica, dando-nos uma ordem para a vida:  “Cumpra sua obrigação de namorar, sob pena de viver apenas na aparência.  De ser o seu cadáver  itinerante.”